PRIMEIRO APÊ
O ano era 2010… eu trabalhava no marketing de uma empresa de telecom e adorava o que eu fazia, gostava mesmo! Mas, apesar de satisfeita com a vida profissional, eu só fazia isso. Trabalhava muito, não tinha um hobby, não praticava nenhum esporte… a engrenagem casa-trabalho-casa operava que era uma beleza. Infalível. Sabe como é né? Foi quando entendi que era também o momento de olhar para dentro, dar um passo adiante no meu crescimento pessoal e sair da casa dos pais para o meu próprio apê. Claro, um quarto e sala, alugado… ainda assim meu! Na verdade, da vó Hilda. Eu aluguei o apê da minha vó Hilda.
Um breve parênteses sobre minha Vó
Minha vó Hilda foi uma das mulheres mais importantes e potentes na minha vida. Eu cresci com ela e tudo, tudo mesmo, foi ela quem me ensinou. Aprendi com ela a cozinhar, a jogar canastra, a amar o Silvio… Com ela, aprendi a jogar resta um, paciência, a costurar, bordar e inventar moda. Minha avó era daquelas que fazia as minhas fantasias de carnaval (e halloween do curso de inglês). Minha avó morou a vida inteira em Copacabana. Naquele prédio da rua Belford Roxo, no 6º andar, morava também a Tia Dirce, parceira e melhor amiga da Vó Hilda. As portas dos dois apês ficavam sempre abertas e a gente transitava pelo corredor de camisola mesmo. Uma fazia o bolo, a outra passava o café. Uma fazia o empadão e a outra trazia a salada. Os jogos de canastra eram sempre na Tia Dirce, lembro bem. E assim foram 18, 20 anos talvez? Pois bem que o tempo passa, e não só os filhos crescem… a cidade também. E em dado momento, a decisão que pareceu mais sensata era que vó Hilda se mudasse para a Barra da Tijuca, onde poderia ficar mais próxima das duas filhas que se mudaram para o bairro.
Da vida ativa e coletiva de Copacabana, dona Hilda se mudou para um condomínio fechado, um quarto e sala na Barra da Tijuca. Já imagina no que deu, né? Se ela ficou lá um ano, um ano e meio, foi muito! Continuou na Barra da Tijuca, mas acabou indo morar com uma das filhas e ficou tudo bem. <3
Mas voltemos ao apê
Eu aluguei esse apezinho da minha avó. Enfim, minha casa, uma tela em branco cheia de possibilidades. Mas primeiro as necessidades: com muito sufoco, comprei fogão, geladeira, máquina de lavar. Sobrou dinheiro para decorar? Pois é. Foi então que eu fui resgatando toda uma memória do quanto eu adorava mexer com artes manuais, artesanato, pintura, desenho… Era daquelas que pedia para mãe para ser matriculada em colônias de férias de artes manuais, mas eu não vou abrir outro parênteses neste texto, prometo. E, ao me inspirar em blogs que eu já lia, entendi que eu não precisava de dinheiro para comprar tudo… eu podia simplesmente experimentar e fazer. Ahhh, finalmente! Poder experimentar, na minha casa, era para mim um ato de liberdade, sabe? Finalmente colocar a cor que eu bem entendesse na parede, não me preocupar com erros ou acabamentos… a ter menos ou nenhum medo nessa construção. Entendi que aquele pequeno espacinho em branco seria a minha área de me conectar com a minha criatividade. E foi daí que me veio a ideia de criar um blog, algo como um diário, onde eu pudesse registrar essa experimentação e, o mais importante, me comprometer a manter pelo menos algum hobby. Cansada de culpar um emprego que não me estimulava criativamente, uma rotina sem hobbies, sem disciplina e sem inspiração, o Casa de Colorir foi criado com a esperança de preencher essas lacunas. Antes que você se pergunte, não, eu não pedi demissão do meu emprego. Resolvi eu mesma me desafiar criativamente, nas horas vagas mesmo. E junto com esse apê nasceu um novo ciclo, nasceu um lar e nasceu o Casa de Colorir.
Para minha surpresa, não demorou muito para que os primeiros leitores começassem a interagir. Oi? Tem alguém lendo do lado daí? E tinha. Tinha tanta gente lendo. Realmente lendo. Mas o que era o Casa de Colorir? Um blog de decoração escrito por uma não decoradora? No começo eu me perguntava como uma jornalista e publicitária estava se atrevendo a escrever sobre decoração. E foi através dos muitos e-mails que recebi e recebo dos leitores do blog que caiu a ficha: nunca foi sobre decoração. É sobre conexão. É sobre possibilidade. Ao mudar a minha própria casa com as próprias mãos e me conectar com ela, eu acabava compartilhando essa possibilidade com quem estava do outro lado do computador. Ah… 2011… essa era uma época em que as pessoas faziam um café, um chá… ou serviam uma taça de vinho depois de um dia puxado, sentavam na frente do computador, abriam seus blogs favoritos e… liam. Um momento só para você, com dedicação e sem interferências. Seriam os blogs os primórdios do autocuidado na web rs?
E mesmo que eu não fosse uma especialista em decorar, acredito que, de tanto depositar afeto e dedicação na maneira como eu me relacionava com a própria casa, acabei me encontrando nesse caminho de falar muito mais sobre o “morar” do que sobre o “decorar”.
Por cinco anos, o meu apezinho quarto e sala foi muito mais do que o espaço onde eu morava. Ele me fez companhia, mudou junto comigo, permitiu que eu me conectasse com a minha criatividade. Essa troca foi muito intensa. E não é meio doido ter essa sensação de que foi uma troca? Pelo meu primeiro apê, que eu mesma montei com o que deu, mas com muito amor, me senti amparada e até motivada. Aprendi que existe, sim, uma conexão especial e única que criamos com a nossa casa e que ela é fundamental pro nosso bem estar e felicidade.
E o que eu aprendi até aqui?
– Aprendi que o nosso lar não está à venda num catálogo de decoração e que ele é, sim, um espelho de cada um. Com sua história, seus gostos, sua personalidade.
– Aprendi que dinheiro é bom, sim! Mas é elemento secundário na construção desse lar.
– Aprendi que uma casa pronta pode levar meses e até anos. Aliás, aprendi a desmistificar o termo “casa pronta”. Quando a sua casa estará finalmente pronta? Nunca! Pois a sua casa, como você, está sujeita aos ciclos da vida. Então não há espaço para a angústia de ver que ainda faltam coisas a serem feitas.
– Aprendi que um olhar apurado e sensível vale mais do que ouro. E que esse olhar se exercita, se desenvolve com pesquisa, atenção, observação, sensibilidade, calma…
– Aprendi que a beleza é relativa. E o que importa mesmo, no fim do dia, é que a sua casa seja bela para você. Dificilmente você vai agradar a todos. Começar agradando a você e as pessoas que dividem o mesmo teto é um caminho promissor para a felicidade. Aliás, o que é belo, hein?
– Aprendi que nem tudo precisa ser comprado e a nunca subestimar o poder do reaproveitamento e da transformação.
E o que acontece quando você arregaça as mangas e resolve colocar o seu bloco na rua? Coisas boas, muito boas, posso te afirmar. O blog, que começou como um despretensioso projeto pessoal, mantido e atualizado com carinho nas poucas horas vagas do trabalho corporativo, acabou se tornando o projeto que mudou a minha vida, uma verdadeira viagem de libertação, conquista e autoconhecimento. Ao descobrir a minha casa e o meu jeito de morar, eu descobri a comunicadora que habita em mim. E a minha maior felicidade é constatar que o jeito que eu encontrei de compartilhar as minhas ideias e devaneios, de certa forma, acaba inspirando outras pessoas a se relacionarem com as suas casas de uma forma mais afetuosa também. Através do blog, eu me reconectei com a minha formação em jornalismo e minha paixão por escrever, que acabou ficando adormecida lá nos tempos de faculdade. E apresentadora de TV, quem diria? Nem sonhar com isso sonhava. Esse negócio de encontrar a sua voz e compartilhá-la é mesmo uma viagem. A melhor de todas, arrisco. E agora, 10 anos depois da primeira postagem, estamos aqui. A Casa de Colorir é minha, é sua, é real e podemos tocá-la.
Esta nossa revista é uma homenagem ao propósito do Casa, criado lá em 2010, para que a gente pudesse parar um pouco, desacelerar, ler, se inspirar, olhar para dentro e saber que é possível. O mundo tá tão barulhento, né? E a vista? Chega a cansar. Como se inspirar assim? Como escolher entre tanta inspiração? Tanta ideia? Tanta possibilidade? Tanta voz, tanta postagem?
Respira.
Vem comigo. Esta é uma revista para te dar a mão e ficar do seu lado sem limite de tempo. Pode folhear, esperar, revisitar, enfeitar, voltar a consultar. Estamos com você. <3
Thalita Carvalho