Por grande parte da minha vida, a minha mãe trabalhou como comissária de bordo. Isso quer dizer que, durante toda a minha infância, eu tinha ela inteirinha pra mim metade da semana e, na outra metade, tinha que saber emprestá-la para o mundo. Lembro que quando via a temida mala aberta, sentava dentro dela para impedir que ela viajasse. Mas a manha não durava muito tempo não… mesmo pequenininha, já conseguia compreender toda a sua batalha para me oferecer o melhor que podia, em todos os aspectos. E essa força que vinha dela, em deixar casa, marido e datas comemorativas pra trás, de certa forma, também me fortalecia. Grande parte do que sou é, sem sombra de dúvidas, reflexo da força dessa mulher que eu tanto admiro e amo.
Mas não pense que eu fui uma criança coitadinha não… Até porque toda vez que ela viajava, ela deixava uma substituta de peso em seu lugar: minha vó.
Era ela…
Que fazia leite quente com açúcar queimado
quando a garganta teimava em incomodar
Que me fez adorar o Silvio Santos
Que fazia o melhor miojo do mundo
Era ela…
Que amarrava o lenço com álcool no meu pescoço
quando a tosse parecia não acalmar
Dona da receita do melhor risole de milho
E que me ensinou a jogar “Resta um”
Era ela…
Que me fez ficar fera no baralho
Que tinha o colo mais macio de todos
E que me ensinou o poder de um rouge e um batom
Era ela…
Que me ensinou a rezar
A cozinhar
E também a me comportar
Era ela…
Que comprava minhas roupas de lambada. Só ela…
Que bordava lantejoulas nas minhas fantasias de carnaval.
E que chamava requeijão de “queijinho de copo”
Ah vozinha… Era só você, viu?
Amanhã, faz 1 semana que ela nos deixou. De repente, de surpresa, deu um “até logo”pra gente e foi distribuir amor por outros cantos. Mas só sentirá falta do seu amor quem nunca chegou a conviver com ela. Pois o amor recebido por quem teve o privilégio da sua companhia foi tanto, mas tanto, que ele não se acabou com a sua despedida aqui desse chão que a gente pisa. Eu ainda sinto esse amor e ele é, e sempre será, muito presente dentro de mim.