Com muito esmero, número zero
Há em mim certa obsessão com a casa. Lembro que, quando era criança, toda semana queria alugar uma versão de O Mágico de Oz. Assistia ao filme repetidamente, com devoção, e chorava toda vez na hora em que a Dorothy retornava ao lar. De alguma forma, isso que se debatia em mim aos 5 anos de idade ainda mexe em cantos desconhecidos meus – às vezes delicados, às vezes doloridos.
“Não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre para casa’”, diz Raduan Nassar em um dos meus trechos preferidos de Lavoura Arcaica.
Acho que já deu para entender o ponto: eu tenho essa coisa com casa…
Quando eu conheci o blog Casa de Colorir, há quase dez anos, apresentado a mim por uma grande amiga, eu ainda não era jornalista, morava com a minha mãe e pouco podia experimentar em paredes, quadros, pinturas de móveis ou só pendurando uns piscas no meio da sala. Apesar disso, de alguma forma, me conectei à Thalita, aquela mulher que sabia fazer as coisas, mergulhei em todos os posts e me encantei com o olhar afetuoso que perpassava o que é muito simples, mas que às vezes a gente esquece: o cuidado com o nosso lugar. A gente esquece, mas não devia: somos também um pouco bicho; precisamos respeitar o tempo, os ciclos e, vez em quando, também procurar refúgio na nossa toca.
Fui uma leitora voraz do blog, depois seguidora curiosa no Instagram, depois uma telespectadora que vibrou com o quadro no Decora e que torceu mais ainda quando o Mais Cor, Por favor começou.
E sabe o tempo? Passou. Acontece que, no ano passado, eu, daqui de Londrina (PR), conheci a Thalita pessoalmente ao entrevistá-la. A entrevista virou um jantar, que virou muitos vinhos, que virou um encontro lindo, cheio de conexão real com alguém que já fazia parte dos meus dias há quase uma década. E é aí que eu vou ter que fazer mais uma citação – porque sou insuportavelmente dada a inspirações recortadas de frases, imagens e pessoas – e afirmar mais do que nunca: a vida é mesmo a arte do encontro, como Vinicius de Moraes defendia. E, do nosso caminho cruzado, nasceu o convite para fazer parte dessa revista que você segura em mãos agora.
Nas próximas páginas, você vai ter contato com algo muito especial, construído por várias mãos carinhosas. De colaboradores diretos a entrevistados, sem esquecer, claro, das centenas de pessoas que contribuíram com o financiamento coletivo para isso tudo acontecer… foi muita gente, de vários cantos do Brasil, somando para erguer a estrutura desta Casa.
Da segunda vez que encontrei a Thalita, já para trabalharmos juntas, voltei para casa querendo pintar minhas paredes de todas as cores, mudar meus móveis de lugar, dar um jeito nos rejuntes, pendurar uma rede para poder ler na sacada, adotar um gato, mergulhar mais no mar. Eu disse a ela sobre tudo isso que ela causa, isso de ser invadida por pinceladas de inspiração, e sobre o quanto isso é grande… Poder atravessar o outro com cores, texturas, ideias e leveza é bonito e mais do que isso: é gigantesco. Em tempos difíceis, a gente às vezes esquece do valor da delicadeza, mas não devia. E não é só sobre decoração. É sobre ser mais a gente. É sobre voltar para casa.
Quando decidi fazer jornalismo, achei que era porque eu queria contar histórias. Alguns bons anos depois, percebo que jornalismo é, na verdade, sobre se deixar atravessar pelos encontros. E encontrar-se é, aliás, um dos pilares desta edição, que tem como força motriz muito mais do que um tema principal, mas um conselho: olhe para dentro. Nesse jogo de encontros, tudo o que você vai ler nas nossas próximas páginas foi atravessado por impactos, abraços, choros, desabafos, insights, euforia e, claro, muito afeto. Porque é disso que se trata, no final das contas.
Pode parecer clichê, eu sei, mas lar é aqui. Aqui dentro. A nossa casa é um reflexo do nosso lar interior – um reflexo de como nos tratamos, como nos deixamos ser tratadas pelos outros, como nos enfeitamos, nos cuidamos, nos mimamos, nos iluminamos… Mas não tenha pressa e nem queira algo definitivo. Nós nunca estamos acabadas, prontas. Esse é só o começo, porque tudo é travessia. Mas não esquece: estamos indo sempre para casa.
Com carinho (de verdade),
Layse Barnabé de Moraes
Editora Casa de Colorir